12.8.15

POEMA AMARELO

Ao Vincent Van Gogh

caro vincent,
permito-me chamá-lo
     intimamente pelo primeiro nome
pela compatibilidade da alcunha
         de personificação do fracasso
    que lhe foi atribuída.

meus instrumentos
não são pincel e paleta,
               mas papel e caneta.
em rima e em arte nosso
      encontro torna-se plausível,
embora em tempo e espaço
           físicos hão de questionar.

quando inicialmente
- camponeses comendo batatas -
        passou a expor a verdade por trás
  dos retoques e embelezamentos
     da realidade, teu grito atravessou
o atlântico e semeou as terras
           mineiras onde o poeta vingaria.

o casarão em arcos onde,
primeira de cinco, nasceria sob
              sol em câncer e lua em libra
a professorinha que cedo aprenderia a fumar.
       - para espantar os mosquitos, diziam -

a realidade chocante
da nicotina
em óleo sobre tela
- caveira com cigarro aceso -
espantou do corpo a alma
            de minha avó materna.

de piumhi, o menino sem estudo
nascido sob sol em escorpião
      e lua em áries nunca desistiu do sonho
de encontrar diamantes nas águas
             do velho chico para se casar com
       a predestinada menina de arcos.

mas a realidade plausível
           sob a qual você já havia
se debruçado quando residiu em paris
- natureza morta com absinto -
       levou meu avô materno a abandonar
as águas e casar-se com nairzinha
                na capital das minas gerais.

todas as confluências mineiras
    de arcos, piumhi, itabira, diamantina
e das ruas e vielas de belo horizonte
formaram o retrato do poeta.

           desconfio, vincent,
que o halo que se forma em torno de ti
- autorretrato com chapéu de palha -
        foi o primeiro fragmento
                           de minha essência.

sentei para apreciar
        a vista das planícies de crau,
atravessei a ponte em langlois com lavadeiras,
zarpei nos barcos de pesca de saintes-maries,
      dancei no salão de baile em arles.

morei na casa amarela,
           visitei o velho moinho,
tomei café quente e preto
              no terraço do fórum
      e na place lamartine,
apreciando estrelas.

escrevo essas palavras agora
sentado em uma escrivaninha na rua sergipe.
a vista não é roxa e nem amarela como em arles,
           mas os teus girassóis amarelos resistem,
        inda que mais próximos dos relógios de dalí.

de tua orelha cortada,
       oferecida à prostituta,
nasceu a poesia
que a família drummond respira
       desde que carlos escreveu
               o verso inaugural.

     mas a tristeza, vincent,
                 não se esvai pela mutilação,
não se dissipa no deslizar do pincel,
         não se esconde no traçar da caneta,
     não se desvanece ao anoitecer.

             debaixo da amendoeira em flor,
      a tristeza durará para sempre.