31.7.15

POEMA INFERNAL

Ao Arthur Rimbaud

     enclausurado
em vinte metros quadrados,
   tendo a única janela da casa vista
para o nada infinito e infernal,
           comunico-me com os mortos
    para me sentir mais vivo.

rimbaud tem sido meu melhor amigo.
alimento-me de tua maldição e alma inquieta,
          tua perna amputada pouco antes da morte,
  teus maus poemas escritos com sangue,
                teus comércios assinados com bala.

viajo ao inferno ao teu lado
        para retornar a esse mundo
e concluir que o verdadeiro inferno
não passa de mais um dia comum.

o espelho revela minhas costelas tortas,
       meus cabelos oleosos, minha barba malfeita,
minhas manchas de sol impregnadas no rosto,
meus olhos míopes que não enxergam o caminho,
    minhas marcas de cirurgia de vesícula biliar,
               meus braços finos e meus joelhos gastos.

sendo avesso, não posso esperar que
     poemas que escrevo alcancem o futuro.

morrem em mim, palavras e rimas,
         delírios sem álcool percorrendo veias
que tão claramente saltam da pele clara
    enquanto a alma escura emudece.

afogo minha mente no travesseiro.
as paredes não me sufocam mais do que
                   o reverberar dos pensamentos.

30.7.15

ACABA MUNDO DEBAIXO DOS PÉS


caminho pela rua professor morais
em busca da perdida esperança de outrora,
mas só me resta o pesar de teu enterro
debaixo dos pés dos transeuntes.

sete palmos me separam do passado,
do córrego acaba mundo enjaulado enquanto
bestas mastigam cachorros-quentes com
teus dentes remendados pelos dentistas.

a velha casa da maria das tranças
espia meus passos largos e me enrola
em teus cabelos para dentro do passado.

repouso o livro
da peste de albert camus
sobre a mesa ao lado
do frango ao molho pardo.

do lado de fora,
ratos devoram a esperança.

29.7.15

DELTA AQUARÍDEAS

Ao Humberto Werneck

a agência espacial norte-americana
admite que não possui plenamente explicada
a origem da chuva de meteoros delta aquarídeas,
apesar de tantos cientistas empenhados.

como morador da constelação de aquário
    e profundo conhecedor da cultura e calendário
desse exótico povo, sinto-me na obrigação
                   de finalmente explicar o ocorrido.

delta aquarídeas é um torneio de tênis amador,
organizado por ganímedes, prefeito da constelação
de aquário, envolvendo também as vizinhas
                        constelações de peixes e baleia.

a participação é aberta a todos os aquarianos.

os de carne e osso, inda presos à terra, necessitam
        viajar durante cinco minutos mentalmente
  até a constelação, sem taxa de embarque.
     os de alma e pena já são de casa e acomodam
           visitantes em tuas estrelas particulares.

jânio quadros inova com a vassoura
no lugar da raquete, capitão do time dos alma-pena
e grande esperança de melhores resultados.

bob marley, por outro lado, inda precisa treinar
          mais os saques, já que a maioria dos meteoros
     lançados por ele caem longe da quadra.
        - na terra esses saques são as estrelas cadentes -

paulo miklos, capitão do time dos carne-osso,
       trouxe os titãs para reforçar a base, embora haja
um pedido por parte dos alma-pena de escalação
irregular, pois não são todos aquarianos.

boris casoy argumenta que o torneio aquaríades
deve promover a liberdade, sendo contra a barragem
dos titãs. - isso é uma vergonha! - categorizou.

oscar schimidt e michael jordan vieram
só para discutir a possibilidade de também haver
torneio de basquete na próxima edição do evento.

thomas edison desenvolveu um saque elétrico
cheio de energia, capaz de quebrar qualquer defesa.
         mas sua dupla, tom jobim, inda anda desafinado
   nas recepções, gerando problema de equilíbrio.
              o cientista cogitou a mudança de tua dupla,
    mas carmen miranda atrapalharia a visão
                   com todos os apetrechos na cabeça.

fernando haddad propõe uma ciclovia
para ligar a terra e a constelação de aquário,
        mas houve um burburinho nos bastidores
   que chamou bem mais a atenção de todos.

era marcelo camelo querendo trazer
os los hermanos para o torneio e muitos dizendo
          que argentino ali não...

...e enquanto camelo tenta se explicar melhor,
humberto werneck, que não é bobo, não,
       escreve mais uma crônica para o estadão.

28.7.15

MERDA POMBAL


o busto do homem de barba esculpido
na praça da liberdade não corresponde mais
a um nome talhado em placa de bronze
levada pelos vândalos da madrugada.

homem taciturno,
libertou-se de teu passado de alteza
imperial precoce ainda que tarde,
ainda que algumas memórias
         apontem e soletrem
                  cada nome de batismo.

honrarias internacionais
para as pombas despejarem
dejetos em tua cabeça
tão logo rompe a manhã.

bem sei que não
informaram-te antes, seu pedro,
mas a estaticidade da vida após a morte
é mesmo uma merda pombal.

27.7.15

O BARBEIRO DA RUA TIMBIRAS


no barbeiro da rua timbiras
aparo entraves líricos em único golpe
de navalha, entre a vida e a morte,
como versos do soneto que se perdeu.

peitos e bundas saltam das revistas
em reverência ao macho alfa e teus pecados
repreendidos pela igreja da boa viagem
do outro lado da rua - lar dos viciados.

se não há mais fígaro nem sevilha,
louvemos o deslize, a boca cheia de espuma
daqueles que se enchem de raiva e pedra.

abençoado seja joão sem sobrenome,
cujo antigo ofício de barbeiro proporciona
ao poeta libertar-se do peso da barba, cabelo
e das palavras em anarquia sobre teus ombros.

26.7.15

FADIGA CULINÁRIA


mexerica descascada
e embalada em plástico e isopor
              é resumo de livro de poesia.

não se resume livro de poesia.
     se descasca página por página, deixando
 na ponta dos dedos o cheiro de cada palavra.

guisado tem cheiro de casa de vovó
   com pitadas de crochê e pinguim na geladeira.
trem tem cheiro do aço, do ferro, das minas gerais
         e teus oitocentos e cinquenta e três municípios.

balanço tem cheiro de infância,
             mas não ter quem te empurre nele
     acompanha cheiro de solidão.

fiquemos então com o eterno.
         eterno tem o cheiro de poesia!

25.7.15

POEMA DE ALGODÃO

Ao Cosme Chuvasco

meu bom barão,
não o conheço pessoalmente
pelo fato de você não existir realmente,
apenas materializado na imaginação
                    daqueles que tiveram o privilégio
de acompanhar sua vida sobre as árvores
         no reino de penúmbria.

bem sei como é viver nas alturas.
- não que eu seja uma espécie de mogli
do terceiro milênio, embora muitos lobos
espreitem a procura de um único deslize -
    
    sei por ser poeta e viver todo o tempo
nas nuvens que, semelhantes às copas das árvores
       por onde passou, são diferentes entre si.

talvez pense que nuvens são partículas visíveis
de água ou gelo em suspensão na atmosfera
como contam esses livros científicos,
         mas - palavra de poeta - são algodão doce,
   iguaria típica da incrível culinária celeste.

nuvens cirrus são poemas delicados.
         cada verso minuciosamente feitos à mão
em pequenas fibras que dissolvem-se no céu.
     finos cabelos que vão se escovando ao vento
sem a vergonha de serem grisalhos.
      em penúmbria, seria o fruto do damasqueiro.

nuvens cirruscumulus são poemas velhinhos.
        as rugas já tomam conta do rosto, mas trazem
em si a experiência dos que há muito começaram
e hoje partilham teus retalhos com os jovens
    sem, no entanto, criar sombra em cima deles.
                  em penúmbria, seria o fruto da videira.

nuvens cirrustratus são poemas pessimistas.
        véu que cobre até a cabeça com medo da
  tempestade futura, mas que, de vez em quando,
    cria coragem e espia através de um pequeno halo
para ver se a luz do sol ainda brilha lá fora.
          em penúmbria, seria o fruto da bananeira.

nuvens altostratus e altocumulus são poemas quentes,
casal em banho de espuma que perde-se no amar
e acaba saindo da banheira cheio de rugas nos dedos.
em penúmbria, seria o fruto do morangueiro.

nuvens stratus são poemas melancólicos.
nevoeiro que impede de enxergar a esperança
no fim de todas as coisas e sempre dá a impressão
de que no fim do túnel o que há é o trem
           desgovernado e sem maquinista a bordo.
    em penúmbria, seria o fruto do pequizeiro.

nuvens stratucumulus são poemas turbulentos.
chacoalham o leitor pela intensidade das palavras,
mas só àqueles que mergulham em seu interior.
em penúmbria, seria o fruto da goiabeira.

nuvens nimbostratus são poemas que choram.
     palavras cinzentas que precipitam pela extensão
das páginas e evaporam até alcançarem os olhos
dos leitores... e assim chove duplamente.
    alguns se libertam e escorregam em arco-íris.
em penúmbria, seria o fruto do limoeiro.

nuvens cumulonimbus são poemas que sangram.
raios rasgam a pele, a carne e as hemácias,
revelando a fragilidade dos homens que levam
imensas bigornas em teus ombros.
        alguns se libertam e voam em tornados.
em penúmbria, seria o fruto da amoreira.

e as nuvens cumulus são poemas moradas,
meu bom barão, muito comum em todos os céus.
bem definidas em contorno são como o carvalho
          ílex de teu reino, onde tudo começou.

em minha cumulus leio toda a tua história
e fico feliz que, ao final de tantas árvores, tenha
           escolhido voar e vir morar também nos céus...

    ...e nos céus não tem escargots, só algodão.

24.7.15

POEMA PENDULAR

Ao Albert Camus

o gato preto
deitado à sombra da árvore
          assombra o poeta crédulo
      numa terça-feira catorze.

tua presença
      quase não se percebe,
- rabo pêndulo e pérolas cintilantes -
            pois a negritude sombral
       que o camufla e cerca
teu corpo magro
nada mais é exteriorização
               de teu lado visceral.

teus olhos em pleno silêncio
          transmitem sinistra rebeldia.

rebeldia comum aos poetas que se misturam
em tuas palavras e não sabem mais se fazem poesia
ou se são a própria poesia enraizada
           em um mundo que pisa em teus rabos.

   a noite avança,
consome resquícios de cores vivas
usadas pelo poeta-camaleão na tentativa
        de demonstrar que é felino de alta cadeia,
  mas o poeta é gato e louva a preguiça.
     sabe que, do camaleão, a melhor parte é a cama.

afinal gato e poeta não são diferentes.
nosso reino por novelo ou novela, já que
       acabam mais brevemente do que romances.
 - albert camus na certa também era um gato -

assim como o estrangeiro meursault
assassina o árabe na praia devido ao calor do sol,
o poeta sente calor, mas calor de dentro...

...e as balas são os poemas que escreve,
     compostas por pólvora, lágrima e preguiça.

23.7.15

ODE AO ARCO TRIUNFAL

Ao Felipe Arco

sendo arco em registro,
não se espera que construa
      com tuas pinceladas
             poemas em linha reta,
   súditos de principados
          isentos de qualquer vileza.

  a retidão - maneira mais rápida
de se alcançar o destino -
             não combina com tuas lutas
em um mundo em asco e desatino.

   lança tuas palavras inflamáveis
por toda a aduela
       que se fecha em chave.
em intradorso exaspera cada sílaba
       como soerguer de flores no asfalto.
em extradorso resguarda a particularidade
   como semente-átomo de cada abraço.

na imposta, sustenta
       o disparar da flecha
- embora não referente à balística -
          cuja importância jamais será maior
do que estar abrigado debaixo da luz.

ser arco em arquitetura
talvez soe estrangeiro - inda que triunfal.
mas ser arco em arte é aqueduto
       transportando verdades em rima.

não há de se envergonhar
de tuas mãos carrascas
se o que executa em praça pública
          é a fome de poesia.

22.7.15

POEMA EM SOL MAIOR

Ao Arthur Versiani

quando li pela primeira vez
o poema de sete faces
de carlos drummond de andrade
fiquei com mais do que sete dúvidas.

   em meus treze anos
         não estava familiarizado
com o uso da palavra
    para além da comunicação
        precisa e direta - e os caminhos
  tomados por carlos possuem
tortuosidades que tornam a travessia
       emaranhado de perder-se e encontrar-se.

não compreendia a correspondência
cores-desejos das tardes, muito menos
           a ligação entre a lua e o conhaque
   com a comoção do diabo.
         mas sabia que o mundo era vasto
     e mais vasto também era meu coração.

não precisei de mais de dois minutos
para me atentar a vastidão que há em você,
boa parte devidamente preenchida pela música
que também corre em minhas veias através
das palavras - considerando que a poesia
           são as palavras em estado de melodia.

o som do piano de meu pai possivelmente
      foi meu primeiro alumbramento, o primeiro
  contato com algo maior do que o mundo.
   
se quando toca teu piano sente teus dedos
vibrando a cada nota, ressoando em cada batida
do teu coração, sabe o que é fazer poesia.

      poesia é estado vibratório,
é reverberar desejos que nem sempre
entendemos, mas nos parecem fazer sentido
          em certa perspectiva quando percurtimos
palavras e elas se encaixam onde deveriam.

        eu não devia te dizer,
e eis aqui nosso segredo:
     a poesia é boa quando soa
           como concerto número um
    para piano de tchaikovsky.